sexta-feira, 31 de julho de 2009

Em coma.

Olho seu sorriso. E olhar-te é o pior que faço. É sina de metade coração partido e de metade coração selvagem. Meu coração selvagem faz-me desvendar cada olhar teu, e cada centímetro de teu sorriso, até a mesura dos modos, até a nobreza do gesto, a doçura das palavras e a candura do comportamento. Por trás do vestido, eu sei que existe um coração selvagem. Como o meu, que corre por todos os sentimentos, carregando consigo a fragrância de todas as aventuras, e o calo. Todo coração tem um calo – o calo de amar. Não sei se teu coração tem um calo, porque não sei se ele envolvera-se tanto neste ato, como eu. Como eu me mortifico.

Eu quero entregar-lhe minha liberdade – e também minha nudez. Você pode tomar meu corpo enquanto eu descanso? Sim, como um copo de refrigerante mesmo. Cansei das importâncias, e principalmente, do sagrado. Toma o que eu de mais sagrado tenho, o que é sagrado não me importa mais. Tudo do que sou feito é matéria efêmera, e tratar-me como um corpo eterno, é perder a simplicidade de viver. Toma minha carne e o significado de minha alma, essa essência. Coma meu corpo como se ele fosse um pedaço de carne. Porque ele é somente um pedaço de carne. E coma-me com amor para que tu possas sentir meu gosto. O fino gosto de quem te ama.

Você pode começar a me amar? Assim, espera o café ficar pronto. Porque café cheira a amor, e eu gostaria que começasse a me amar quando ele estivesse pronto. Não é por nada mais misterioso, é que eu gosto da presença da xícara de um café. O seu sorriso. Porque você sorri pra mim, de uma proximidade tão distante? Eu entendo o que você sente porque eu tenho um coração selvagem. Eu sei que ando distante, mas é que eu ando nu, e toda nudez cobre-se um manto sagrado. Eu tirei este manto para você.

Meu corpo nada mais é que um corpo. Anda, assopra o corpo como se houvesse café dentro da xícara. Anda, pegue o corpo pela alça, e beba logo este café antes que ele esfrie. E se puder, não beba-o de uma vez só, vá de gole em gole, que a temperatura nem arderá a tua língua, nem tuas palavras, sei que se importa com o que dizes, mas palavras são mentirosas, enquanto meu corpo é a sinceridade pura, é a minha nudez. O café não mente, é marrom, está quente quando está quente, e quando esfria é porque você não bebeu.

Teus olhos dizem as mais sinceras palavras de amor, tua boca, entretanto, nem por uma coragem, as diria. Porém eu lhe aplico uma tortura: meu amor. Sim, não se deixe levar pelo que eu visto, ainda vestido, eu me mantenho nu. Na sua frente. Para que o mundo, para sempre, se livre de um sentido, basta que você pegue na minha nudez. Ou menos ainda, uma palavra: fique. Uma palavra de um esforço inimaginável.

Não há mistério a não ser que você o crie. A não ser que você veja o mistério. Eu me olho e vejo o meu corpo nu. Por isso que não sou um mistério para mim. Eu me olho e vejo o meu amor, vejo que te amo. Você deve olhar-se, ver o teu amor, e em seguida, não entender nada. Mas não devemos entender nada, por isso que não entendes, não se deve entender, deve-se apenas ficar calado e comer o corpo. É antropofagia, canibalismo mesmo, o corpo é humano e comer é vital. Coma o corpo, mas com amor. Coma o amor com o corpo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Como sempre, a profundidade com que adentra os sentimentos e as sensações mais humanas fazem de você um bom escritor - e, diga-se, um artista.
Ainda que a nudez do corpo revele a nudez da alma, a transparência do ser, do sentimento, há um caráter misterioso, como algo que escapa, uma subjetividade latente de quem vê o mundo por seus próprios olhos, com uma palheta de cores diversas, fortes, marcantes.
Belo.