domingo, 26 de outubro de 2008

V de Vingança.

Não quero te escrever mais. Quero poupar-me. Mas: não poupar-me de te escrever. Só vou dar nova forma às palavras. Irei reinventar-me para então te escrever e reinventar-te. Mostrar que meu colo é quente e deixar de pedir teus beijos. Deixarei de te pedir que me responda e escrever-me-ei todo nu à sua frente: para ver se tu te entregas a minha luxúria.

Parei de lhe mandar flores, caso percebeste. É porque agora enviar-me-ei a ti como carne crua, pois quero ver se me dominas como dizes. Quero provar da tua capacidade que tu tanto dizes. Não quero mais somente: vou. Jogar-me a teu corpo como um suicida e deixar-me levar. Não te surpreendas com minha sinceridade, é que estou impossível. Esta será minha última carta; da próxima vez eu estarei defronte a ti olhando-te como o leão impossível olha a caça antes de caçá-la: vou caçar-te.

E chegarei. Não importa o tempo. Só o inesperado te espera. Eu serei tua surpresa aguardada como um presente de Natal que você já adivinhava, porém espera ansiosamente. Com uma única diferença: eu sou um presente útil.

Não me espere. Eu já estou selvagem e primitivo o suficiente. Dar-lhe-ei estes mesmos sentimentos mais humanos do que a roupa que te oprime. Deixa-me libertar-te. Preciso te amar mais do que a intensidade do tempo. Preciso amar-te como nunca farei. Antes de arrombar a tua porta, tornar-me-ei impossível, impassível. Estarei com meu melhor perfume, mas o que eu realmente guardo-lhe só eu sei: é segredo meu.

Mas não me espere. Ainda não escolhi a roupa que usarei. Acabaram-se as minhas promessas românticas banhadas ao pôr-do-sol. Deixe o sol para depois, quero provar-te em plena escuridão: quero conhecer-te em tuas quentes intimidades. Faz um verão escaldante e eu não consigo mais me suportar. Preciso de tua frigidez. Afogar-me-ei dentro de tuas infinitas possibilidades, mas o que eu realmente farei é segredo meu.

Mostrar-lhe-ei minha cultura, a educação que minha mãe me deu. Mas o que eu farei continua sendo segredo meu. As minhas entranhas ficam entre eu e mim. Mais ninguém. Lembra-te quando me levara de súbito para as ondas da praia? Então, mostrar-lhe-ei o refluxo da vida. Vai não me espere. Não me aguarde. Não me anseie. O melhor eu guardo para mim: finalmente vou te mostrar como as ondas voltam para o mar. Mas o que eu farei é segredo meu.

sábado, 18 de outubro de 2008

Nudez.

Interesso-me pela vida, pois neste momento estou vivo. Quando morrer, entrarei pleno na imensidão de morrer sem felicidade nem tristeza. Então eis que o sol amanhece, percebo que estou vivo quando os finos raios e secos entram pela janela, mas isso não é sinal de felicidade. Lavo a cara mais-que-pálida de viver, viver é tão imenso que me mata. Antes de dormir rezo a prece de acender um cigarro vermelho e digerir e defecar tudo que me aconteceu, jogar no ostracismo os rastros dos dias quentes que me fazem ensandecer.

É o sol lá fora que esquenta o dia, pois viver é frio e sempre inverno. Nevaria sempre se não fosse o sol para contar-me mentiras e falar que a vida é boa. Olho para ele, ele me cega. A visão das sombras me é mais refrescante. Traz-me paz maior. Faço ode a um copo de vodka gelada em pleno calor, faço ode ao morrer no sofá de tédio e entregar-me ao nada como corpo inanimado. Faço ode à vida caminhando para a morte. E minha ode é solitária e encantadora. O encanto maior é das coisas subversivas o que é muito belo é muito podre. A beleza do sol faz-me querer ser feio. Gosto do que me é dito inapropriado e imperfeito. Não procuro a solução da minha dor na felicidade, pois a solução da minha dor é a própria dor.

Por isso eu brilho tanto quanto o sol que resplandece, apesar de viver em meio às lágrimas e garrafas vazias inúteis pelo chão. Meu brilho é um grito mudo de tédio à vida. É uma revolta silenciosa contra o sentido áureo das coisas. Sempre reconheci a vida nos becos escuros e proibidos. O que é incorreto é belo, pois seu brilho é opaco e escondido. Já as coisas que brilham com evidência, perdem a graça por ser o brilho muito fácil. Por isso não gosto do sol: seu brilho é muito fácil. Gosto mais do prazer do brilho menor que é a lua, mas é mistério e solidão. Solidão fascinante.

E não decoro minhas paredes com rosas, elas não têm cheiro e nem beleza. Prefiro a nudez crua das coisas. Antes o corpo nu, antes as palavras e os carinhos nus, antes a parede nua, antes de tudo quero a nudez das coisas. Quero ouvir o verdadeiro o canto da vida: - Sou lasciva e barata. Gosto das sombras porque elas me afogam com sua nudez. E elas não são feitas de tristeza, é um descanso, como se me dissessem: - Prove em mim um pouco da tua morte.

Interesso-me pela vida, mas ela não se desnuda. Desde que nasci tenho que agüentar os verbetes da moral e da ética. Do bom-senso e da divisão. Da promessa e da verdade. Da obediência e da educação. Mas a beleza é o corpo nu.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Vontade.

Viver é pouco. O coração é limitado. Quero mais. Quero algo que caiba toda a intensidade de um abraço e de um adeus.