sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sobre uns versos de agosto

Dia 20 de agosto, escrevi:

"Havia um amor maior que houve,
por haver e não haver: não aconteceu,
o que poderia,
Houve um amor maior que aconteceria
Se houvesse alguma disposição;
um atento
um passo mínimo
poesia
que se houvesse, seria feito,
tão cedo, o amor maior que houve,
e havia."


É tão bom entender, mas deixar subentendido.

Suplício

Vem, corre, agora,
que ainda dá tempo
de alguma coisa.

Agora, que ainda dá tempo,
Vem, não demore,
Alguma coisa morta,

Vai se manifestar.

Alguma coisa corre agora,
Peço que venha, sem demora,
Antes que se manifestem,

As horas.

Corre que já vejo se manifestar,
a enxurrada, os trovões,
não demore,
Que por enquanto eu acalmo as horas,

Você demora.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Dois homossexuais passam.

Não houve um lado para nós, o comunismo dizia que éramos um vício do capitalismo, um sinal da decadência da sociedade burguesa e o capitalismo dizia – e esse argumento ainda persiste forte atualmente – que éramos antinaturais, que vamos contra o estado de natureza. Sozinhos, desabrigados politicamente, religiosamente, civicamente e moralmente, andávamos cautelosos nessa civilização construída com uma noção tão pequena do que é ser humano. Houve avanços, entretanto, ainda temos que lidar com a marginalidade, com o desprezo, com a sociedade canibal e consumista do canibalismo.

Eu, homossexual, ainda ando taciturno ainda que o dia brilhe. Demoro a decidir se pego a mão do meu amigo ou namorado, penso se me encontro forte o suficiente para encarar os olhares policiais, tortos e repressores, se me encontro inabalável o suficiente para ouvir um xingamento, e em última instância – mas não impossível, encarar o soco. Há várias maneiras de fazer com que duas mãos se afastem, eu as conheço, faço os cálculos e meço: eu tenho uma humanidade maior do que a existente, logo, eu pego essa mão e ando.

Os olhares se entortam logo que essas mãos se unem, algumas bocas se contêm, outras se espantam, então surge um vácuo no meio da rua cheia: dois homossexuais de mãos dadas abrem espaço. Homens e mulheres espantados, aquela senhora ali com o crucifixo pensando em rezar pelo fim dos tempos – mal sabe ela que já se encontra atropelada por ele: dois homossexuais passam e se amam. A civilização de cinco mil anos não entende nada, o frenesi atômico se forma com a presença alienígena, o pescoço da senhora apavorada sua, nossa senhora de aparecida, dois homossexuais se amam! Ouve-se o silêncio de pedreiros, balconistas, professores, alquimistas e pastores e vereadores...

Logo os dois homossexuais viram a esquina e o mundo, naquela rua, volta ao seu tamanho original.