quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Amanhã já é primavera,
mas e agora?
Enquanto o hoje demora,
e eu espero.
Essas horas enquanto,
o amanhã é primavera,
ainda sinto o inverno,
(que é eterno)

sábado, 11 de setembro de 2010

"Tu me acostumbraste"

Agora, para te entender, procuro revirar o que aconteceu comigo.

As formas do nosso amor, que nunca acontecera. Vejo se ainda sinto no rosto aquele toque seu que nunca houve, vejo, eu perdi o começo, pois nunca comecei a amar-te. Tento encontrar aqueles dias e não desenhá-los novamente, quero saber se tudo o que eu vivi era o que eu achava ou se também desenhava o presente; custa-me muito esse esforço, meu passado é a realidade ou a noite estrelada que pinto? Que te escrevo com uma dor fingida ou um amor inenarrável? Pra quê, então, te escrevo? Se eu finjo te escrever? Se eu estou atuando toda essa tragédia que seria sumariamente resumida quando eu dissesse: nada.

Não houve nada a não ser pelo balanço das árvores e aquele som cadente de folha batendo que me acompanharam durante todo esse tempo, sim, quando me lembro dessas manhãs surgem aquelas árvores opulentes, ordinárias e memoráveis, a luz do sol que apesar do verão de fevereiro, fazia-me sentir num inverno em Petrópolis, o vento sempre soprando e nunca parava, era fascinante como o dia invernava dentro daquele brilho todo. Fazia frio e sol, assim também eu me sentia ao seu lado, fazia frio e sol em nossas conversas, tão rápidas, as palavras saíam de nós como icebergs intransponíveis, uma fortaleza ártica e eu querendo explodir, querendo irradiar alguma coisa que não me deixasse dormir naquele tédio, naquela canção matinal que me ninava: árvore, nuvem, árvore, às vezes, alguém. Eu tentava não petrificar, numa luta amarga contra o pensamento, contra uma frigidez que não sentia, mas que estava lá.

Quando as tardes chegavam, tudo ia embora. E o dia, a partir daí, parecia realmente desabrochar. O vento batia nas árvores como quando amanhecerá, tudo muito quieto, instável. Aquele último silêncio funéreo antes do sol começar a aparecer. Aquelas manhãs foram madrugadas, de modo que tudo ali: você, o ambiente, nossas caras de sono, construíam um silêncio impenetrável.

E eu caía no abismo sem sentir a queda, ia caindo, pensando que no fundo do poço encontraria a solução. Mas não. Entrei num abismo que se fechava por completo à minha volta, sufocando-me, e se eu te amava para me encontrar, me vi infinitamente estilhaçado. Agora, tento descobrir se você foi a catarse emocional de todo aquele momento ou se você foi vítima do tédio que me acometia: já não tenho mais tempo. Agora eu sinto a rotação do mundo e preciso entender.

A realidade, agora, se mostra e expõe claramente que tudo foi um capricho meu, porque toda aquela paisagem deprimida corroía a minha pressa de mulher lasciva, enquanto eu me disfarçava dentro de uma inocência já perdida, desenhava uma noite estrelada mais erótica do que a de Van Gogh: na minha noite eu te entrelaçava em luzes vermelhas que se moviam pelo ar em turbulência - eu precisava disso - era o meu instinto; você repousava em chão sólido enquanto eu era o ar fugidio, dono do vento e dos porquês, seus olhos abertos tragavam a noite cinicamente e eu fingia me preocupar: teu cinismo era o meu alimento. Ao acreditar que aquilo tudo era amor verdadeiro a minha mente subvertia qualquer intenção de um amor romântico. Minha vontade era de entregar-me, mas não como um alguém servil, eu não queria servir-te religiosamente porque não te encarava como uma religião, pelo contrário, você poderia ter sido minha caça herege.

Era essa mistura de sensações antagônicas que me dominava simultaneamente, enquanto você era o padre o qual eu poderia confessar todos os meus pecados e receber, então, o perdão inquestionável, você também era minha vontade de pecar imperdoavelmente. Eu te desejava com tanta ardência que te desejar me descaracterizava, mas ao mesmo tempo, era um desejo tão egoísta que eu não acreditava estar desejando o outro.

Por mais que aquele amor tenha sido, em parte, superficial. Por mais que a minha fome de você era na verdade a fome que eu tenho de vida, a fome que eu tenho de mim, viver você pagou o esforço. Eu ainda não encontrei o sentido naquilo tudo, talvez não haja, pode ser que o meu amor platônico tenha sido assim porque as coisas estavam murchando e eu estou habituado a sempre estar desabrochando. Pode ser que a minha alma rebenta tenha se rebelado ao vento frio, ao balanço cadente das árvores, ao cinza gélido daquelas manhãs.

Você continuará a ser o ponto paradoxal daquele tempo, porque eu continuarei a ser o mistério por inteiro. De tudo, ao menos alcanço que ter te amado foi um esforço para lutar contra um coração que, se não amasse, congelaria.

Obrigado.






(“tu me acostumbraste”, música do Caetano, trilha para esses momentos.)