Interesso-me pela vida, pois neste momento estou vivo. Quando morrer, entrarei pleno na imensidão de morrer sem felicidade nem tristeza. Então eis que o sol amanhece, percebo que estou vivo quando os finos raios e secos entram pela janela, mas isso não é sinal de felicidade. Lavo a cara mais-que-pálida de viver, viver é tão imenso que me mata. Antes de dormir rezo a prece de acender um cigarro vermelho e digerir e defecar tudo que me aconteceu, jogar no ostracismo os rastros dos dias quentes que me fazem ensandecer.
É o sol lá fora que esquenta o dia, pois viver é frio e sempre inverno. Nevaria sempre se não fosse o sol para contar-me mentiras e falar que a vida é boa. Olho para ele, ele me cega. A visão das sombras me é mais refrescante. Traz-me paz maior. Faço ode a um copo de vodka gelada em pleno calor, faço ode ao morrer no sofá de tédio e entregar-me ao nada como corpo inanimado. Faço ode à vida caminhando para a morte. E minha ode é solitária e encantadora. O encanto maior é das coisas subversivas o que é muito belo é muito podre. A beleza do sol faz-me querer ser feio. Gosto do que me é dito inapropriado e imperfeito. Não procuro a solução da minha dor na felicidade, pois a solução da minha dor é a própria dor.
Por isso eu brilho tanto quanto o sol que resplandece, apesar de viver em meio às lágrimas e garrafas vazias inúteis pelo chão. Meu brilho é um grito mudo de tédio à vida. É uma revolta silenciosa contra o sentido áureo das coisas. Sempre reconheci a vida nos becos escuros e proibidos. O que é incorreto é belo, pois seu brilho é opaco e escondido. Já as coisas que brilham com evidência, perdem a graça por ser o brilho muito fácil. Por isso não gosto do sol: seu brilho é muito fácil. Gosto mais do prazer do brilho menor que é a lua, mas é mistério e solidão. Solidão fascinante.
E não decoro minhas paredes com rosas, elas não têm cheiro e nem beleza. Prefiro a nudez crua das coisas. Antes o corpo nu, antes as palavras e os carinhos nus, antes a parede nua, antes de tudo quero a nudez das coisas. Quero ouvir o verdadeiro o canto da vida: - Sou lasciva e barata. Gosto das sombras porque elas me afogam com sua nudez. E elas não são feitas de tristeza, é um descanso, como se me dissessem: - Prove em mim um pouco da tua morte.
Interesso-me pela vida, mas ela não se desnuda. Desde que nasci tenho que agüentar os verbetes da moral e da ética. Do bom-senso e da divisão. Da promessa e da verdade. Da obediência e da educação. Mas a beleza é o corpo nu.
sábado, 18 de outubro de 2008
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5 comentários:
Você tem um ponto.A nudez me encanta freneticamente
Lutemos para a abolição das paredes rosas!
Com delicadeza e profunda reflexão, você soube transitar por uma cadeia de pensamentos, revelando não a nudez do corpo, não a nudez das coisas. É a nudez como o que há de mais puro, de mais elementar na essência de uma vida e das coisas que a constituem. Sublime.
Lutemos para a abolição das paredes rosas!
E a sombra sem brilho, o beco opaco nos obrigam a ver sua beleza interior, sua essencia, sua nudez.
Pensamos mais na nudez das sombras. Adoro.
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