sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Commedia dell'Arte.

Há tantos assuntos pertinentes, que já foram pensados. Não me permito, agora, falar-lhes sobre o amor. Nem sobre o ego, nem sobre dor. Darei atenção às células que gritam meu nome, às engrenagens cheias de graxa que pedem atenção. Na verdade, não pedem. Menti. Minha cabeça que lateja por dar atenção, inquietante.

É admirável ver à volta, tão gás carbônico. Um souvenir século XX. Quem aqui vê os pássaros cantados pelos poetas românticos? Ou as catedrais pintadas pelos poetas barrocos? Quem aqui vê a paisagem impressionista de Monet? Ou, simplesmente, a simplicidade dos versos de Drummond? Ou a intensidade poética das estrofes de Pessoa? Quem aqui vê as palmeiras onde canta o sabiá?

Quem vê o cimento, vê além. Quem precisa ver uma pena para tirar a poesia de um pássaro? Quem precisa ver amantes para tirar a poesia do amor? O cimento nos diz tudo. Posso estar fazendo papel de bobo, de direitista. Vocês me entenderão.

A realidade não é mais um poema de Gonçalves Dias. A realidade não é mais tão lírica quanto à métrica de Olavo Bilac. A realidade não é mais tão serena quanto à morte de Ismália. Hoje, a lei é sobrepor-se. Não importe quantos serão os pisoteados, sobreponha-se.
Posso parecer repetitivo, Machado de Assis disse parecido. Vocês me entenderão.

Quem vê uma máquina, que agora diga: Ave Máquina! César já morreu.

É a corrente elétrica, potência, chip, nanotecnologia. Quem diz que a tecnologia não diz o que o homem é; tão mente, que se sentisse a mentira que disse, cuspiria no chão. É isso: A máquina diz como nós somos. A sociedade criou a máquina, ora agora, ela que nos cria.

Faço-lhes uma confissão indecente, meus caros: Virei máquina. É a publicidade que diz o que eu devo comprar; a televisão que opina por mim. O jornal diz a versão dos fatos, na qual devo acreditar. A máquina colhe o trigo, que a máquina o leva para a padaria, que a máquina faz o pão.

A máquina ilumina meu quarto, a máquina que me locomove, a máquina que me faz andar depressa, a máquina mede as horas. As horas medem minha vida. A máquina colhe, produz, carrega, fabrica, processa, fermenta, vende, industrializa, sintetiza, tornamos-nos escravos de nossa própria criação. Santa ironia! Queres viver a luz de velas, tecnológico? Meu ar é gás carbônico, meu sangue é gasolina, fedo a cigarro, minha pele é de aço inoxidável; a maquina me satiriza.

Onde está o espaço para o ser; ser? Cadê minha liberdade, meu senso crítico?!

Virei
Máquina,
Máquina,
Máquina,
Máquina,
Máquina...

5 comentários:

F. Ladeira disse...

A liberdade é tão lírica quanto os sabiás que aqui já não gorjeiam.
No passado buscava-se alcançar a Deus, hoje busca-se alcançar apenas a liberdade...

Como em uma sociedade que age como uma máquina?
Sonho também com ela, doce liberdade.
Mas saberia eu viver com ela quando a conseguisse? Eu criado pela sociedade e que sigo as leis da mesma?
Já nem sei mais dizer.

Anônimo disse...

Bravo!!!
Esse é o tipo de texto que gosto: caráter crítico e belas referências!
Bravo, Chico, Bravo.


Em resposta ao seu scrap:
falta em todas as vidas um pouco de romantismo. Não é piegas. Como você mesmo disse: vivemos no meio de máquinas. Está cada vez mais difícil ver poesia e cada vez mais difícil ter alguém para se escrever poemas. E isso é triste.

;*

T.S disse...

Ainda Bem, que como Chico Buarque diz.. " Esquecerem uma semente em n'algum canto de jardim.."
Seríamos nós, seres que golfam críticas e ousadias a semente do mundo?
Acho que estamos em fecundação, belo rapaz.. Mas um dia renasceremos árvores, frutos e frutas até reinarmos num campo inteiro, livre, com aroma do verde..

"Quem vê o cimento, vê além." Sempre quando penso em postar algo, rodo e rodopio e acho que paro nessa questão.
Se o mundo pudesse ver a transparência de nossas células talvez nos entenderíam...

Beijos 1000000000!

T.S disse...

ps: Sua crítica de Homem X Máquina com certeza vai parar em algum cantinho do meu quarto, pendurado na parede, ou quadro, ou bilhete, ou num livro.
Adoro toda essa tensão aqui.
rs rs

Dayana M. disse...

Minha perfeição