O dia não existe. Ele já esgotou toda a sua solidão. Oh! Como eu queria lhe dizer umas poucas palavras. No desespero, sim, até aquele bom dia dissimulado é preciso. Pois precisamos nos sentir amados de alguma forma. Sim! Como faz falta a formalidade quando não nos resta mais rastro de sinceridade. Onde está a sempre senhora vizinha? Ou até o vira-lata vadio da esquina?
O dia era frio. E a cidade estava úmida pois chovera tanto de madrugada. Afastaram-se todos os vira-latas e os pivetes foram atrás de um abrigo. Nem pivete tinha. Ele estava desesperado queria gritar aos céus por um abraço, mas naquele dia, ninguém estava. Como não? A padaria está aberta. Foi comprar pão. Pediu dez pães e só o “Sim senhor” já lhe bastava o dez pães que pagou. Ah como agora é doce o gosto da formalidade.
Chegara em casa: ninguém. Abriu o armário e arrumou os ternos já arrumados. Limpou o banheiro já limpo. Sentou-se no sofá desistido. Olhou aos lados, fixou-se no teto. Tudo culpa de um dia nublado que sempre afasta as pessoas e as trazem para si. O teto era branco que nem as paredes. Que desconsolo. A luz entrava pelo vidro da janela e reluzia nas paredes brancas. Era uma espécie de brilho-sem-brilho. As paredes pareciam um espelho. O dia, aquele, era dele olhar para si. Mas tão difícil virar os olhos! O mundo é feio só que nossa natureza é intrincada até para nos mesmos. Não se sabe como acontecemos até hoje.
Ligou a televisão. Mudava de canal, o mesmo cânone: filme e programa de auditório. Filme e programa de auditório. Assim, como uma respiração. Ficava de pouco em pouco mais irritado: queria música! Ora, toquemos então! Lá foi o Duke Ellington no som. Que passava pela casa inteira como diplomata. Por cada cômodo, por cada vazio ali habitante. Ele olhou em volta. “Mas que música é essa!”. Brahms então. Cartola depois. Carmem Miranda. The Beatles. Edith Piaf. The Rolling Stones. Charles Parker. Maurice Ravel. New Order. Desligou o som. Foi à cozinha e pegou uma lata de cerveja. Bebeu-a rapidamente. Parecia estar enlouquecendo enquanto a casa mantinha-se muda. Nem um passarinho. Nem o barulho de papel voando (a janela estava fechada). Abriu-a imediatamente. Nem um vento entrou.
O dia realmente não existia. Voltou ao sofá, olhou ao teto olhou a si. A casa ainda muda nem a porta batia. Nem um sinal de vida. Não havia pulsação naquela maldita casa. Que dia era aquele?! Mortos não fogem do cemitério! Gritava dentro de si enquanto olhava o teto. E perguntou-se. “Que diabo de dia é este tão vazio?!” Levantou-se de súbito e bateu a porta. Foi à cozinha e tacou o copo no chão. “Barulho! Barulho!”. Sentia-se sozinho ao ponto de enlouquecer. “Você, minha ex-mulher tão bonita antes. Mas que morra na gordura!” Tacou o porta-retrato no chão. “Ó meu pai. Tão prudente. Tão correto. Mas que morra na impotência sexual!” Mais um porta-retrato que se quebrava. “Mãe... o que dizer de ti?” Mais um. Olhara em volta fixamente procurando mais um alvo. “As paredes... as paredes... elas continuam brancas...” Na mesma hora em que as rabiscou freneticamente de caneta. E quando esta pareceu falhar: “janela afora, vagabunda!”
Abriu a porta e saiu correndo. Aquele dia tinha que existir. Sim. Era domingo e domingo é um dia que inerentemente te mata. Aquele dia tinha de existir! Porque o silêncio e as nuvens? Porque tudo estava tão escondido e inexistente? Saiu berrando pelo corredor do prédio. “Barulho! Barulho! Onde estão vocês?!”. Tocou todas as campainhas. Correu pelo corredor gritando: “Barulho! Ação! Barulho!”. O porteiro imediatamente assustado não temeu em abrir a porta e libertar o louco. Pela rua, de cara apareceu o primeiro vira-lata do dia. “Isso! Vira-lata! Au! Au! Au!” Saiu atrás do cachorro que sem demora fugiu dele. “Barulho! Barulho!” Era só o que se ouvia num domingo que não existiu. E o que existia naquele dia estava intocável. Os carros de vidro preto fechado. As pessoas lotadas de casacos e cachecóis. O mundo impenetrável para quem nevralgicamente necessitava de uma palavra dita. De um consolo. “Barulho! Barulho!” As pessoas olhavam assustadas e se afastavam daquele louco que morria de carência.
Coitado. Cansara-se muito cedo da insensibilidade do mundo. E do ritmo frígido da vida. “Barulho! Barulho!” As pessoas encasacadas sobreviviam pois já aceitavam este sofrimento oculto de nossa realidade. Precisamos crucialmente - isto é questão de vida - inventar o nosso porto seguro. (As pessoas de casacos sobreviviam pois já criaram para si o porto seguro delas - a insensibilidade). Porém mesmo seguramente atracados ainda somos profundamente carentes. “Barulho! Barulho!” No entanto, somos insensíveis diante da vida. Pois a vida é deveras tocante e não há como nascer preparado para ela. “Barulho! Barulho!” Não foi o dia nublado, te juro. Não foram as paredes brancas, te juro. “Barulho! Barulho!” O que o dinheiro não compra é o que é mais difícil de se comprar. Poderia comprar um carro, mas e o banco vazio ao lado dele? “Barulho! Barulho”
E naquele domingo inexistente ele corria pelas ruas. “Barulho! Barulho!” E na força de fazer aquele dia existir. Correu revoltado pela cidade e foi pego de surpresa. “Barulho! Barulho!” Oh como a vida é inigualável em sua atrocidade justificada. O ruim da vida é que ela sempre tem motivos. E o barulho finalmente aconteceu. O ônibus buzinou fortemente logo após escuta-se bruscamente o freio rangendo na pista assustando as pessoas por debaixo dos casacos. Assustando as nuvens no céu. Finalmente o domingo aconteceu. Barulho, barulho. Na última nota, ouve-se avassalador pelo estéreo espaço o simples barulho dos ossos quebrando. Sim. Ele – inevitavelmente – fez o domingo acontecer. O transito parou e logo não demorou para que todos fizessem um círculo em volta dali. O motorista passou a mão na cabeça – estava em choque – não sabia o que fazer. Barulho, barulho...
O dia era frio. E a cidade estava úmida pois chovera tanto de madrugada. Afastaram-se todos os vira-latas e os pivetes foram atrás de um abrigo. Nem pivete tinha. Ele estava desesperado queria gritar aos céus por um abraço, mas naquele dia, ninguém estava. Como não? A padaria está aberta. Foi comprar pão. Pediu dez pães e só o “Sim senhor” já lhe bastava o dez pães que pagou. Ah como agora é doce o gosto da formalidade.
Chegara em casa: ninguém. Abriu o armário e arrumou os ternos já arrumados. Limpou o banheiro já limpo. Sentou-se no sofá desistido. Olhou aos lados, fixou-se no teto. Tudo culpa de um dia nublado que sempre afasta as pessoas e as trazem para si. O teto era branco que nem as paredes. Que desconsolo. A luz entrava pelo vidro da janela e reluzia nas paredes brancas. Era uma espécie de brilho-sem-brilho. As paredes pareciam um espelho. O dia, aquele, era dele olhar para si. Mas tão difícil virar os olhos! O mundo é feio só que nossa natureza é intrincada até para nos mesmos. Não se sabe como acontecemos até hoje.
Ligou a televisão. Mudava de canal, o mesmo cânone: filme e programa de auditório. Filme e programa de auditório. Assim, como uma respiração. Ficava de pouco em pouco mais irritado: queria música! Ora, toquemos então! Lá foi o Duke Ellington no som. Que passava pela casa inteira como diplomata. Por cada cômodo, por cada vazio ali habitante. Ele olhou em volta. “Mas que música é essa!”. Brahms então. Cartola depois. Carmem Miranda. The Beatles. Edith Piaf. The Rolling Stones. Charles Parker. Maurice Ravel. New Order. Desligou o som. Foi à cozinha e pegou uma lata de cerveja. Bebeu-a rapidamente. Parecia estar enlouquecendo enquanto a casa mantinha-se muda. Nem um passarinho. Nem o barulho de papel voando (a janela estava fechada). Abriu-a imediatamente. Nem um vento entrou.
O dia realmente não existia. Voltou ao sofá, olhou ao teto olhou a si. A casa ainda muda nem a porta batia. Nem um sinal de vida. Não havia pulsação naquela maldita casa. Que dia era aquele?! Mortos não fogem do cemitério! Gritava dentro de si enquanto olhava o teto. E perguntou-se. “Que diabo de dia é este tão vazio?!” Levantou-se de súbito e bateu a porta. Foi à cozinha e tacou o copo no chão. “Barulho! Barulho!”. Sentia-se sozinho ao ponto de enlouquecer. “Você, minha ex-mulher tão bonita antes. Mas que morra na gordura!” Tacou o porta-retrato no chão. “Ó meu pai. Tão prudente. Tão correto. Mas que morra na impotência sexual!” Mais um porta-retrato que se quebrava. “Mãe... o que dizer de ti?” Mais um. Olhara em volta fixamente procurando mais um alvo. “As paredes... as paredes... elas continuam brancas...” Na mesma hora em que as rabiscou freneticamente de caneta. E quando esta pareceu falhar: “janela afora, vagabunda!”
Abriu a porta e saiu correndo. Aquele dia tinha que existir. Sim. Era domingo e domingo é um dia que inerentemente te mata. Aquele dia tinha de existir! Porque o silêncio e as nuvens? Porque tudo estava tão escondido e inexistente? Saiu berrando pelo corredor do prédio. “Barulho! Barulho! Onde estão vocês?!”. Tocou todas as campainhas. Correu pelo corredor gritando: “Barulho! Ação! Barulho!”. O porteiro imediatamente assustado não temeu em abrir a porta e libertar o louco. Pela rua, de cara apareceu o primeiro vira-lata do dia. “Isso! Vira-lata! Au! Au! Au!” Saiu atrás do cachorro que sem demora fugiu dele. “Barulho! Barulho!” Era só o que se ouvia num domingo que não existiu. E o que existia naquele dia estava intocável. Os carros de vidro preto fechado. As pessoas lotadas de casacos e cachecóis. O mundo impenetrável para quem nevralgicamente necessitava de uma palavra dita. De um consolo. “Barulho! Barulho!” As pessoas olhavam assustadas e se afastavam daquele louco que morria de carência.
Coitado. Cansara-se muito cedo da insensibilidade do mundo. E do ritmo frígido da vida. “Barulho! Barulho!” As pessoas encasacadas sobreviviam pois já aceitavam este sofrimento oculto de nossa realidade. Precisamos crucialmente - isto é questão de vida - inventar o nosso porto seguro. (As pessoas de casacos sobreviviam pois já criaram para si o porto seguro delas - a insensibilidade). Porém mesmo seguramente atracados ainda somos profundamente carentes. “Barulho! Barulho!” No entanto, somos insensíveis diante da vida. Pois a vida é deveras tocante e não há como nascer preparado para ela. “Barulho! Barulho!” Não foi o dia nublado, te juro. Não foram as paredes brancas, te juro. “Barulho! Barulho!” O que o dinheiro não compra é o que é mais difícil de se comprar. Poderia comprar um carro, mas e o banco vazio ao lado dele? “Barulho! Barulho”
E naquele domingo inexistente ele corria pelas ruas. “Barulho! Barulho!” E na força de fazer aquele dia existir. Correu revoltado pela cidade e foi pego de surpresa. “Barulho! Barulho!” Oh como a vida é inigualável em sua atrocidade justificada. O ruim da vida é que ela sempre tem motivos. E o barulho finalmente aconteceu. O ônibus buzinou fortemente logo após escuta-se bruscamente o freio rangendo na pista assustando as pessoas por debaixo dos casacos. Assustando as nuvens no céu. Finalmente o domingo aconteceu. Barulho, barulho. Na última nota, ouve-se avassalador pelo estéreo espaço o simples barulho dos ossos quebrando. Sim. Ele – inevitavelmente – fez o domingo acontecer. O transito parou e logo não demorou para que todos fizessem um círculo em volta dali. O motorista passou a mão na cabeça – estava em choque – não sabia o que fazer. Barulho, barulho...